terça-feira, outubro 13, 2009

Primeira chuva do ano

13/Outubro/2001

Era uma sonho aquela árvore que, por entre as brumas, fazia baloiçar os seus ramos. Não podia ser real... Flocos de núvens passavam lentamente mesmo ao nível dos meus olhos. Rendilhados. Quase transparentes. Cheiravam a húmido.

Do outro lado da janela fechada formavam-se gotas que não eram de chuva. Pareciam volatilidades das memórias que vêm e vão sem que nunca cheguemos a ter a certeza se existiram de facto e caso o tenham feito, quais os seus contornos, formas, dimensões, dureza...

Os ramos daquela árvore eram traços desmanchados. Formas equivocadas. Esculturas delirantes de um artista bêbado. Hastes retorcidas davam origem a troncos mais grossos. Voltas, curvas, ir, voltar, indecisão. Já quase não tinha folhas. O Outono anunciava-se. Apenas meia dúzia delas, baloiçando-se ao vento. Um último grito de coragem. Em breve cairiam como as outras. Teria que ser assim.

As núvens andavam agora mais depressa. Deixavam de ser passeantes de Domingo. Corriam apressadas na via rápida da cidade. Desfilavam perante os meus olhos, velozes, cada vez mais opacas. Ao longe conseguia distinguir o céu mais escuro. "Vai chover", disse uma voz atrás de mim.

A janela deu um baque surdo, abanando nos caixilhos. As formas retorcidas agonizavam em gemidos lamentosos. Cada vez mais as gotículas embaciavam-me a vista. Uivos e gemidos.

- Fecha a cortina e acende a luz. - ouviu-se ao fundo.

Parecia um sonho, o Inverno a materializar-se lá fora quando ainda ontem um dia de Verão acariciava a alma.

Grossos pingos dissiparam os rolos de nuvens apressadas. As chuva purifica a alma e as coisas. Praças, ruas, casas lavavam-se assim dos muitos meses de pó.

A escultura retorcia-se ainda. Velha. Talvez cansada. Quntos anos teria? Crescera imperceptivelmente desde que eu a observava ali daquela janela. Parecia um velho carcomido e sábio. Aquele sábio em particular tinha a face nudosa, coberta de musgos e rugas. Era feio, desolador e triste. E no entanto... ele sabia as histórias e o segredos que nunca seriam contados.

Também ele era purificado por aquela primeira chuva do ano.

Parecia um sonho a tempestade...

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