terça-feira, setembro 08, 2009

Parágrafos finais (I)

Os melhores debates começam assim: noite dentro, quando os contornos das coisas se perdem. Este debate falava de últimos parágrafos, das frases colocadas imediatamente antes do movimento solitário de fechar um livro, do momento em que se escuta ao fundo a voz das personagens que se esbate e o silêncio que preenche o espaço. 

Eça era um mestre e o "Mandarim" é uma das jóias raras que ele nos deixou. É também um dos meus parágrafos finais preferidos. Acaba assim:

"Sinto-me morrer. Tenho o meu testamento feito. N'elle lego os meus milhões ao Demónio; pertencem-lhe; elle que os reclame e que os reparta...

E a vós, homens, lego-vos apenas, sem commentarios, estas palavras: «_Só sabe bem o pão que dia a dia ganham as nossas mãos: nunca mates o Mandarim_!»

E todavia, ao expirar, consola-me prodigiosamente esta idea: que do Norte ao Sul e do Oeste a Leste, desde a Grande Muralha da Tartaria até às ondas do Mar Amarello, em todo o vasto Império da China, nenhum Mandarim ficaria vivo, se tu, tão facilmente como eu, o pudesses
supprimir e herdar-lhe os milhões, oh leitor, creatura improvisada por Deus, obra má de má argilla, meu semelhante e meu irmão!"

Eça de Queirós, "O Mandarim"

Sem comentários: