segunda-feira, outubro 24, 2005

LE CRÉPUSCULE DU SOIR

Voici le soir charmant, ami du criminel;
ll vient comme un complice, à pas de loup: le ciel
Se ferme lentement comme une grande alcôve,
Et l'homme impatient se change en bête fauve.
O soir, aimable soir, désiré par celui
Dont les bras, sans mentir, peuvent dire: Aujourd'hui
Nous avons travaillé! - C'est le soir qui soulage
Les esprits que dévore une douleur sauvage,
Le savant obstiné dont le front s'alourdit,
Et l'ouvrier courbé qui regagne son lit.
Cependant des démons malsains dans l'atmosphère
S'éveillent lourdement, comme des gens d'affaire,
Et cognent en volant les volets et l'auvent.
A travers les lueurs que tourmente le vent
La Prostitution s'allume dans les rues;
Comme une fourmilière elle ouvre ses issues;
Partout elle se fraye un occulte chemin,
Ainsi que l'ennemi qui tente un coup de main;
Elle remue au sein de la cité de fange
Comme un ver qui dérobe à l'Homme ce qu'il mange.
On entend çà et là les cuisines siffler,
Les théâtres glapir, les orchestres ronfler;
Les tables d'hôte, dont le jeu fait les délices,
S'emplissent de catins et d'escrocs, leurs complices,
Et les voleurs, qui n'ont ni trêve ni merci,
Vont bientôt commencer leur travail, eux aussi,
Et forcer doucement les portes et les caisses
Pour vivre quelques jours et vêtir leurs maîtresses.

Recueille-toi, mon âme, en ce grave moment,
Et ferme ton oreille à ce rugissement.
C'est l'heure où les douleurs des malades s'aigrissent!
La sombre Nuit les prend à la gorge; ils finissent
Leur destinée et vont vers leur gouffre commun;
L'hôpital se remplit de leurs soupirs. - Plus d'un
Ne viendra plus chercher la soupe parfumée,
Au coin du feu, le soir, auprès d'une âme aimée.

Encore la plupart n'ont-ils jamais connu
La douceur du foyer et n'ont jamais vécu!

Charles Baudelaire (1852)


Aqui também a noite chegou. Lá fora talvez andem os ladrões e as prostitutas de Baudelaire acompanhados das pequenas multidões que passam alegres. Eu sou mais o obreiro cansado. O dia de hoje passou. Até amanhã.

sábado, outubro 22, 2005

Elementos mágicos

Ontem ao jantar falava-se de cheiros e da sua capacidade para instantâneamente nos levarem a locais e tempos distantes. Não consigo deixar de pensar que essa capacidade quase mágica é comum a todas as coisas que, por nos terem tocado se emiscuiram na nossa vida até serem parte de nós. Não interessa portanto, quanto tempo passe ou se ficámos ou partimos. Levamos essas sementes connosco e um dia quando menos esperamos a magia acontece e recuamos muito tempo para outros jantar, para amigos perdidos ou sempre presentes, para viagens ou simplesmente para um determinado estado de espírito. Às vezes (como aliás tudo o que é importante), o elemento mágico não passa de um detalhe, um pedaço de uma conversa, uma música, uma luz mais especial, que afinal não tinhamos esquecido e nem nos lembravamos das saudades que tínhamos.

Bom fim de semana.

quarta-feira, outubro 19, 2005

Chegar a casa

Sabemos que estamos ambientados a um sítio quando depois de uns dias difíceis dizemos para nós, com um suspiro...já estou em casa... E quando olhamos à volta, verificamos que o sítio a que chamamos casa, não é mais do que aquele que até há bem pouco tempo era apenas um local estranho e frio.

Sabe bem chegar a casa... Sabe bem reconhecer no sítio que habitamos a nossa casa. Quantas casas, em toda esta dimensão afectiva e emocional poderemos ter na nossa vida? Será que é apenas o hábito que nos faz chamar casa ao local que habitamos? Será a sensação de protecção, as coisas, livros, papéis, desarrumação que nos são comuns? Será que o nosso conceito de casa muda com o tempo? Será mais que um espaço físico? Uma pessoa? Um estado de espírito? Poderá uma estação no meio da China Central ser a casa para o viajante que aí pernoita?

Não sei... mas hoje, suspirando, soube-me bem chegar a casa.

segunda-feira, outubro 17, 2005

Adiamento

Depois de amanhã, sim, só depois de amanhã...
Levarei amanhã a pensar em depois de amanhã,
E assim será possível; mas hoje não...
Não, hoje nada; hoje não posso.
A persistência confusa da minha subjetividade objetiva,
O sono da minha vida real, intercalado,
O cansaço antecipado e infinito,
Um cansaço de mundos para apanhar um elétrico...
Esta espécie de alma...
Só depois de amanhã...
Hoje quero preparar-me,
Quero preparar-rne para pensar amanhã no dia seguinte...
Ele é que é decisivo.
Tenho já o plano traçado; mas não, hoje não traço planos...
Amanhã é o dia dos planos.
Amanhã sentar-me-ei à secretária para conquistar o rnundo;
Mas só conquistarei o mundo depois de amanhã...
Tenho vontade de chorar,
Tenho vontade de chorar muito de repente, de dentro...

Não, não queiram saber mais nada, é segredo, não digo.
Só depois de amanhã...
Quando era criança o circo de domingo divertia-rne toda a semana.
Hoje só me diverte o circo de domingo de toda a semana da minha infância...
Depois de amanhã serei outro,
A minha vida triunfar-se-á,
Todas as minhas qualidades reais de inteligente, lido e prático
Serão convocadas por um edital...
Mas por um edital de amanhã...
Hoje quero dormir, redigirei amanhã...
Por hoje, qual é o espetáculo que me repetiria a infância?
Mesmo para eu comprar os bilhetes amanhã,
Que depois de amanhã é que está bem o espetáculo...
Antes, não...
Depois de amanhã terei a pose pública que amanhã estudarei.
Depois de amanhã serei finalmente o que hoje não posso nunca ser.
Só depois de amanhã...
Tenho sono como o frio de um cão vadio.
Tenho muito sono.
Amanhã te direi as palavras, ou depois de amanhã...
Sim, talvez só depois de amanhã...

O porvir...
Sim, o porvir...

Álvaro de Campos

domingo, outubro 16, 2005

Luminarium



Fantástico, não é? E na realidade é apenas uma tenda de ar, plástico e cor! Fiquem atentos à agenda dos Arquitectos do Ar, porque vale a pena. Ahh... e não se esqueçam da máquina fotográfica. Os resultados são imprevisíveis...

Boa semana!

terça-feira, outubro 11, 2005

(...)


Calvin & Hobbes by Bill Watterson

segunda-feira, outubro 10, 2005

Mistério (por Florbela Espanca)

Gosto de ti, ó chuva, nos beirados,
Dizendo coisas que ninguém entende!
Da tua cantilena se desprende
Um sonho de magia e de pecados.

Dos teus pálidos dedos delicados
Uma alada canção palpita e ascende,
Frases que a nossa boca não aprende,
Murmúrios por caminhos desolados.

Pelo meu rosto branco, sempre frio,
Fazes passar o lúgubre arrepio
Das sensações estranhas, dolorosas…

Talvez um dia entenda o teu mistério…
Quando, inerte, na paz do cemitério,
O meu corpo matar a fome às rosas!

domingo, outubro 09, 2005

COLORS 65

"Attention. Reading the pages of COLORS 65 may put you at serious risk depending on your location at the present time."

É assim que se inicia o número 65 da revista COLORS editada pela Benetton. Toda focada na problemática da liberdade de imprensa, vale a pena a leitura. Devolve-nos a perspectiva! Afinal, nós próprios e os países que nos rodeiam e que temos a tendência de tomar como exemplo, ainda temos um longo caminho a percorrer para assegurar que a liberdade de imprensa é um facto e não uma mera discussão teórica.

Por curiosidade... no ranking da liberdade de imprensa, Portugal encontra-se em 25º, atrás da Jamaica!, mas muito à frente de países como a Itália ou a Espanha (ambos em 39º). No final da lista encontra-se a Coreia do Norte.

Boa semana.

domingo, outubro 02, 2005

Cinemateca Portuguesa em 2003

Continuam as descobertas... desta feita um programa da Cinamateca Portuguesa, imagine-se de 2003... E de novo aquela viagem rápida no tempo até ao dia em que peguei no pequeno papel e o enfiei descuidadamente na mala de mão que trazia nesse dia. Mundos se passaram desde então. Hoje é tudo diferente! Por algum motivo a, a mala, nunca mais usada, passou todo este tempo esquecida mas acompanhando-me à medida que a vida me fazia mudar de um sítio para o outro. Uma nota do passado, para lembrar os nadas de que somos feitos.

Por curiosidade: em Fevereiro de 2003 passou na Cinamteca portuguesa o filme "Goodfellas" - Tudo bons rapazes, de Martin Scorcese. Se não viram, aqui fica uma sugestão descontraída para a semana.

sábado, outubro 01, 2005

Lembram-se?

Em todas as vidas, há sempre pequenos detalhes que ao darmos por eles nos arrancam sentimentos contraditórios. As despedidas são um deles. Reúnem em si a agitação da partida e a certeza reconfortante que há pessoas às quais nunca se diz adeus, apenas até à próxima. Essa evocação é tanto mais poderosa quando é feita através de papéis esquecidos numa caixa, ou quando qualquer coisa, qual madalena de Proust, nos faz recordar... Passaram seis meses. Lembram-se?

Segue o teu destino,
Rega as tuas plantas,
Ama a tuas rosas.
O resto é a sombra
De árvores alheias.

A realidade
Sempre é mais ou menos
Do que nós queremos.
Só nós somos sempre
Iguais a nós próprios.

Suave é viver só.
Grande e nobre é sempre
Viver simplesmente.
Deixa a dor nas aras
Como ex-voto aos deuses.

Vê de longe a vida.
Nunca a interrogues.
Ela nada pode
Dizer-te. A resposta
Está alem dos deuses.

Mas serenamente
Imita o Olimpo
No teu coração.
Os deuses são deuses
Porque não se pensam.

Ricardo Reis, 1916